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"Uma outra técnica de defesa contra o sofrimento serve-se dos deslocamentos libidinais permitidos pelo nosso aparelho psíquico, por meio dos quais sua função tanto ganha em flexibilidade. 

A tarefa a ser resolvida consiste em deslocar de tal modo as metas dos impulsos que elas não possam ser atingidas pela frustração do mundo exterior. 

A sublimação dos impulsos presta o seu auxílio para tanto. Isso é alcançado sobretudo quando se consegue elevar de modo satisfatório o ganho de prazer obtido de fontes de trabalho psíquico e intelectual.

Desse modo o destino pouco pode fazer contra nós. 

Satisfações tais como a alegria do artista ao criar, ao dar corpo aos produtos de sua fantasia, ou a do pesquisador na solução de problemas e na descoberta da verdade, possuem uma qualidade especial que um dia com certeza seremos capazes de caracterizar metapsicologicamente. Por ora apenas podemos dizer de modo figurado que elas nos parecem “mais finas e mais elevadas”, mas a sua intensidade, comparada à saciação de impulsos mais grosseiros, mais primários, é reduzida; elas não agitam a nossa corporeidade.

Contudo, o ponto fraco desse método reside no fato de não ser universalmente aplicável, de ser acessível apenas a poucos seres humanos. Ele pressupõe disposições e aptidões especiais, não exatamente freqüentes na proporção eficaz. Mesmo a esses poucos ele não é capaz de assegurar uma proteção completa contra o sofrimento, não lhes oferece uma couraça impenetrável contra as setas do destino, e costuma fracassar quando o próprio corpo se torna a fonte do sofrimento. 

Se esse procedimento já revela a intenção de procurar independência em relação ao mundo exterior, na medida em que a pessoa busca nos processos interiores, psíquicos, os mesmos traços se destacam com intensidade ainda maior no procedimento que agora passamos a examinar. Nele, a ligação com a realidade se torna ainda mais frouxa, a satisfação é obtida a partir de ilusões reconhecidas como tais, sem que se permita que o seu afastamento da realidade perturbe o gozo.

A região donde provem tais ilusões é a fantasia, quando o desenvolvimento do senso de realidade se completou, ela foi expressamente dispensada das exigências da prova da realidade e foi destinada ao cumprimento de desejos de difícil realização. No topo dessas realizações fantasísticas se encontra o gozo de obras de arte, também tornado acessível a quem não é criador, através da mediação do artista. 

Quem é sensível à influência da arte não tem palavras suficientes para louvá-la como fonte de prazer e consolo para a vida. No entanto, a suave narcose em que a arte nos coloca não é capaz de produzir mais do que uma fugaz libertação das desgraças da vida, e não é forte o bastante para fazer esquecer a miséria real..."


...Grazie, Freud; )